GENTE (MANEIRÍSSIMA) MUITO JAPÃO

Hoje a coluna GENTE MUITO JAPÃO é especial! Vamos conhecer a vida de brasileiros que vivem atualmente no Japão, mas que além de brasileiros, possuem um agrav...digo...um privilégio, o de serem cariocas! (risos) Por isso hoje teremos um ESPECIAL: GENTE (MANEIRÍSSIMA) MUITO JAPÃO!

Eles são poucos, mas, são de qualidade. Representantes do Rio de Janeiro o Japão conhece muito bem, e não é de hoje. São cariocas ilustres, personalidades no Japão e que não há um japonês que não os conheça. Estou falando de Zico e Ruy Ramos. Dispensável falar de Zico e o que ele representa para os japoneses e principalmente para o futebol nipônico. Ruy Ramos, para quem não conhece, está no país desde 92. Casou-se com japonesa (já falecida), teve filhos, se naturalizou japonês, ganhou nome japonês - ラモス瑠偉 - jogou na seleção japonesa de futebol e hoje, além de se dedicar ao futebol japonês, se apresenta em eventos nipobrasileiros com uma banda de pagode e vira e mexe aparece em programas de TV.



Os cariocas são igualmente respeitados e procurados por japoneses amantes da nossa música, principalmente os amantes de bossa nova e mais principalmente ainda os que cantam bossa nova em português. Isto porque segundo eles, grande parte de seus clássicos são interpretados por cariocas e consequentemente, com sotaque carioca, o que muitos destes cantores japoneses almejam. Eu mesmo já fui procurado por alguns, só por ser carioca e porque eles gostariam de cantar com sotaque do Rio, ou como eles mesmos dizem, cantando com "shu-shu-shu" que, segundo eles, seria a forma carioca de falar os "s".

O Muito Japão conversou com dois cariocas para saber o que fazem no Japão, porque trocaram as praias e o clima carioca para viverem do outro lado do mundo! Com típico humor carioca, eles nos contam um pouco de tudo! Como foi a adaptação deles com o idioma e com a cultura, como é a vida com os japoneses, se um dia pretendem regressar ao Rio de Janeiro e muito mais!

É com prazer que o Muito Japão apresenta a vocês, os carioquíssimos,


Leonardo Melo 

Raffaele Jaffar


Onde nasceu e quando?

L: Na Beneficiência Portuguesa no bairro da Glória no Rio de Janeiro, RJ. No dia 05 de junho de 1976
R: Nasci em Botafogo, Rio de Janeiro, em meados da década de 80.

Está no Japão faz quanto tempo?

L: No total, 15 anos.
R: Como responderia um japonês, entrei no meu 4º ano (estou há 3 anos completos aqui)

Por que foi para o Japão?

L: Sempre tive o sonho de morar no exterior desde bem pequeno. No começo, esse sonho era de ir para os EUA, mas quando entrei em contato com a língua e a cultura japonesa pela primeira vez aos 16 anos, me apaixonei pelo Japão e o sonho de ir para os EUA mudou para o sonho de vir ao Japão.
R: Queria trabalhar no Japão desde os meus 13 anos! Era um sonho que eu precisava realizar.

Trabalha em que atualmente?

L: Pena que você não perguntou "Trabalha com o quê?", porque aí iria responder que "trabalho com vontade de ir para casa"...Piadinhas à parte, trabalho como atendente de Call Center de uma corretora de ações.
R: Trabalho na Prefeitura de uma pequena cidade chamada Komatsu.

Como foi a adaptação à cultura?

L: No meu caso, muito fácil pois já tinha conhecimento básico da cultura, e para ser sincero nunca concordei com muitos aspectos da cultura brasileira, por isso acho que sempre tive esse sonho de morar no estrangeiro desde pequeno. Não acho que a cultura japonesa é correta em todos os sentidos, mas me sinto muito mais a favor dessa cultura do que com a cultura brasileira (respeito aos outros, ser pontual nos compromissos, etc...).

R: Como esta sendo né! (risos), a adaptação à cultura, posso dizer que tive várias fases. Acho que a sorte minha é que antes de vir pro Japão, fiquei bastante tempo convivendo com os japoneses no Brasil. Ou seja, lidei bastante com japoneses estudantes ou empresários abertos já a conhecer outras culturas. Acho que isso ajudou. Quando eu vim pro Japão, muita coisa já tinha visto, já tinha ouvido...Mas mesmo assim, houve fases aqui que eu tive que abrir também minha mente para me adaptar a eles. Ainda sei que vem mais coisa por ai. Mas o mais legal disso é que a gente não para de aprender nunca!

Como foi a adaptação ao idioma?

L: Não posso dizer que foi fácil, pois tudo é diferente no idioma japonês, ordem da frase, vocabulário não é nada parecido com as outras línguas, tem os alfabetos que são completamente diferentes também, mas na verdade nunca vi isso como um obstáculo, na verdade pra mim sempre vi como um desafio, que cada vez que entedia mais, cada vez que conseguia "desenhar" ou ler um novo ideograma, tinha um sentimento de conquista, como se tivesse vencido um novo desafio.

R: Estudando japonês, lá se foram 16 anos...sobre Japão, em geral, o tema que mais me atraia era justamente o idioma! O processo foi bem lento, porque, além da ordem de pensamento ser totalmente contraria, eu também só gostava de falar e não de escrever. Quando eu comecei a tentar gostar de escrever, a adaptação ficou mais rápida. E também 1 ano de estudo em faculdade japonesa pelo Monbukagakusho (Ministério da Educação do Japão), quando era universitária, acelerou bastante o conhecimento na língua.








"Não tenho vontade nenhuma de voltar ao Brasil, mas apesar de todos os defeitos, não troco o Rio de Janeiro por nenhuma outra cidade do Brasil"

Leonardo Melo





O que foi mais difícil no processo de adaptação?

L: Apesar de achar que pessoas como eu, que não são descendentes de japoneses, mas que sabem falar bem o idioma, tem menos problemas com a discriminação em certos aspectos (muitos japoneses ficam super admirados quando vêem um estrangeiro falando japonês, mas discriminam os descendentes que tem cara de japoneses mas não sabem falar o idioma), a discriminação ainda me incomoda muito aqui neste país. Principalmente na hora de alugar um apartamento, ou de tentar adquirir um visto permanente, por exemplo. Muitos donos de apartamentos negam na hora o aluguel do apartamento, só pelo fato de o futuro inquilino ser estrangeiro. Na hora de dar entrada no visto permanente, um descendente pode fazer isso com 5 anos de estadia no Japão, mas um estrangeiro deverá esperar 10 anos no mínimo para poder dar entrada no processo...

R: Para você se fazer entendido, é importante estar alinhado como expor fatos, causas e consequências pela lingua. A ordem como você expõe não é a mesma em português. Por exemplo, em português uma conversa normal acontece na ordem: “Por que você chegou atrasado?” 

O que mais gosta no JP?

L: A segurança e a tranquilidade de saber que posso sair de casa com o equivalente a mil reais no bolso, um relógio no pulso, um tênis no pé, e um cordão no pescoço e não voltarei pra casa pelado. (Isso se voltar vivo né)

R: Gosto do jeito gentil que todos se tratam, e gosto de ver que não temos grandes diferenças sociais aqui no Japão. Todos possuem basicamente o mesmo tipo de educação e renda não é tão mal distribuída. É normal você ver jogadores de futebol falando com o mesmo vocabulário de ministros, por exemplo.

O que menos gosta?

L: Acho que a única coisa que realmente o Japão deixa a desejar, é na parte da medicina. Talvez muitas pessoas não concordem comigo ou ficarão assustadas pelo fato de eu estar falando isso, considerando que o Japão tem uma imagem de primeiro mundo, mas na verdade nunca encontrei um médico neste país que realmente escute o que o paciente está querendo dizer. Devido à hierarquia japonesa, os médicos se acham os donos do mundo, e não escutam e nem procuram direito o melhor tratamento para o paciente. Fora o fato de que eles não gostam de passar remédios para o paciente pois segundo a cultura japonesa não se deve mexer muito com o corpo e o organismo do ser humano, mas mesmo que eles prescrevam o remédio, ele acaba sendo muito fraco para o nosso organismo ocidental.

R: Hum.....não gosto muito da empolgação dos japoneses quando eles se juntam num bar. Nossa, parece que voltaram ao maternal, em particular, os homens, são bastante infantis...sem comentários! (risos)

Do que sente mais falta do Rio? Por quê?

L: Do verão carioca....Estamos em pleno verão aqui no Japão, e é um inferno. Acho que esse é outro ponto que não gosto muito do Japão. O verão é muito úmido e quente e você não para de suar. O verão carioca é maravilhoso pelo fácil acesso à praia, e apesar da temperatura alta, não tem umidade.

R: Sinto falta do "marrrr", do tempo bom, de poder ir a praia mesmo no inverno!

Do que NÃO sente falta?

L: Dos assaltos, da bagunça, do jeitinho brasileiro, da malandragem do carioca, do pagamento do troco em balas (ou do "posso ficar te devendo um centavo?"), etc...

R: Não sinto falta do "bom humor" e de amor de alguns atendentes em todos os estabelecimentos comerciais do Rio!!

Tem intenção de voltar?

L: NUNCA....somente pra passear.

R: Tenho sim, mas antes de voltar preciso ainda de mais experiência aqui.

Caso volte ao Brasil, moraria no Rio ou em outro lugar?

L: Não tenho vontade nenhuma de voltar ao Brasil, mas apesar de todos os defeitos, não troco o Rio de Janeiro por nenhuma outra cidade do Brasil.

R: Se não puder morar no Rio, não pensaria em voltar paro o Brasil.









"Acho que o japonês pode ensinar muito sobre trabalho e carioca pode ensinar bastante sobre o lazer na vida. Acho que são duas coisas fundamentais e que se completam na vida"

Raffaele Jaffar







Conhece muitos cariocas no Japão?

L: Não...
R: Tem bastante!!! Uso até a outra mão para contar quantos cariocas eu conheço aqui!

Sente falta do sotaque carioca?

L: Sotaque não né. Língua padrão oficial do Brasil, o carioquês...É claro que sinto falta.
R:Não sinto taaanta porque todos os dias eu falo com a minha família por viber, skype...falo com os amigos sempre. Então é uma coisa que sempre tá no meu cotidiano.

Dizem que os cariocas são mais abertos, brincalhões etc. Aos mesmo tempo, que os japoneses são fechados, frios. O que pensa sobre isso?

L: Queria conhecer a pessoa que iniciou essa calúnia só para apresentar os meus amigos japoneses pra ela. Na primeira vez que estive aqui, fiz amizades com japoneses de duas universidades diferentes, e todos eles sempre foram muito brincalhões comigo, chegavam ao ponto de me abraçar e beijar todas as vezes que me encontravam. Quando tive que voltar para o Brasil por um tempo, esses japoneses de duas universidades completamente diferentes e que nunca tinham se conhecido, se juntaram para fazer uma festa de despedida surpresa para mim, e fiquei muito emocionado quando todos eles fizerem um círculo se abraçando entre si e me colocaram no meio desse círculo para se despedirem de mim como se eu estivesse sendo abraçado por todos eles ao mesmo tempo. Acho que nunca tive um gesto de carinho tão bonito como esse, nem mesmo dos meus melhores amigos brasileiros.

R: Nossa, eu falei exatamente sobre isso esses dias! Acho que essa imagem de que somos abertos e japoneses fechados, eu sinto mais quando estamos conversando. Não só carioca, mas nós, brasileiros, mesmo num primeiro encontro, tentamos nos aproximar do outro com conversas mais pessoais, não sobre tempo ou comida – assuntos gerais. Não. Nós gostamos de falar, de discutir, de mostrar nosso ponto de vista perante os fatos, falamos de relacionamento, de família, coisas mais “intimas”, digamos. Temos uma conversa aberta com o outro. Por outro lado, o japonês, sempre que converso, ninguém toca em assuntos tipo homossexualidade, relacionamentos, relação homem-mulher, família....Nada! Só assunto superficial, como tempo, comida – sim, esse é o maior tópico de todas as conversas! Japonês pode falar de comida em mesa de bar/restaurante por mais de 2 horas! Esses assuntos são para mim considerados muito fechados. Você não sabe da opinião do outro, o que o outro pensa, ou seja, é muito difícil para brasileiro, construir relação de confiança ou amizade dessa forma. E, é claro, o fator abraço, que nunca se tem. Mas ultimamente, estamos progredindo. Eu já distribuo aperto de mão e até abraços aqui !! Mas mesmo assim, as conversas superficiais e fechadas nunca ajudam muito.


O que acha que os japoneses poderiam aprender com os cariocas?

L: Talvez como curtir um pouco melhor a vida...
R: Carioca sabe ser feliz. Sabe se divertir. Aqui as pessoas não sabem se divertir. Positividade, energia, criatividade, jogo de cintura para lidar com as situações difíceis. Nada disso infelizmente se acha em livros. A convivência seria interessante método de aprender.

O que acha que os cariocas poderiam aprender com os japoneses?

L: Respeito aos outros, e como ser pontual, por favor....
R: Muita coisa. Acho que os japoneses são muito generosos. Eles dão muito presentes. Qualquer coisa mínima que você faça, eles te elogiam, te presenteiam, te fazem se sentir muito bem (mas tomar cuidado para não pisar na bola, uma única vez, põe em risco sua reputação). Enfim, acho que eles sempre estão falando obrigado um pro outro aqui, por mais que seja só por educação mesmo, acho maravilhoso você agradecer. Qualquer pessoa, qualquer ajuda recebida. Outro ponto que carioca poderia aprender é respeitar o horário dos outros, mantendo a pontualidade em qualquer situação. Sabe, acho que o japonês pode ensinar muito sobre trabalho e carioca pode ensinar bastante sobre o lazer na vida. Acho que são duas coisas fundamentais e que se completam na vida.

Pode mandar uma mensagem aos leitores do blog que almejam um dia viajar ou viver no Japão?

L: Em vários aspectos, acho que hoje em dia está muito mais fácil para vir ao Japão (passagem mais barata, visto mais fácil de conseguir), então espero que você não perca essa oportunidade de conhecer um dos melhores países que existem no mundo. Nihon he zehi kite kudasai...(Não deixe de vir ao Japão)

R: Para os que desejam viajar, o verdadeiro Japão se encontra além das fronteiras de Tóquio! Conhecer umas cidades no interior vão proporcionar grandes experiências! Alguns turistas estrangeiros gostam de se comportar como estrangeiros, mas eu não curto muito não. Acho que é interessante respeitar as regras aqui, como segurar o lixo ate achar uma lixeira, manter-se no lado esquerdo da escada rolante etc. Para viver aqui, esteja preparado para as diversas fases de adaptação aa cultura. Ter um pouco de domínio na língua já ajuda um tanto! Com inglês ainda não dá pra se comunicar. E manter a mente sempre aberta evita estresses desnecessários.

Comentários

  1. Gostei do post, apesar de, como carioca, não me sentir representado por estas pessoas, mas valeu! Dentro desta ideia, seria interessante saber o que pessoas de outras partes do Brasil, tem a dizer sobre as diferenças de viver no Japão, em contraste com seus estados, como goianos, catarinenses, paranaenses, pernambucanos, paulistas, etc.

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  2. Carlos,

    Não se preocupe. Tbm não me sinto representado. Ninguém é devidamente representado por outra pessoa, porque acredito que cada um tem sua própria história de vida, sua própria vivência em outro país. A questão do Rio não foi para representar ninguém. Foi apenas um ponto em comum entre os dois e pelo fato de haver poucos cariocas no Japão. Tenho certeza que se entrevisto 2 paulistas, outros paulistas igualmente não se sentirão representados e assim por diante. Valeu pela visita e pelo comentário!

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  3. Eu acompanho esse blog desde sempre e apesar de não comentar muito (só quando acho que devo mesmo), não canso de me espantar com a qualidade!
    E só para constar, ainda acredito no livro...
    Abraço amigo.

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