11 MARÇO DE 2011: PARECE QUE FOI ONTEM



Parece que foi ontem. Eu estava lá. Não lá, lá exatamente no local do terremoto ou mesmo do tsunami que carregou e destruiu tudo. Mas estava em uma província próxima, Gunma. Lembro como se fosse ontem.

Eu tive que ir lá a trabalho. Um comediante famoso peruano iria se apresentar para a comunidade peruana e eu estaria trabalhando em um estande montado nos corredores do teatro onde se realizaria a aprsentação.

Mas não deu. Estávamos no caminho, já na província de Gunma. Nosso carro, levava eu, no banco do carona, o motorista japonês e uma colega de trabalho peruana, sentada no banco de trás. Paramos no sinal vermelho. E aí, tudo aconteceu...

...o carro começou atremer de um lado para o outro. Era como se três homens fortões dispostos em cada lado do carro balançassem  o veículos de modo a nos intimidar. “É terremoto!”, disse calmamente o motorista. Logo nos demos conta que era mesmo, pois os outros carros próximos também tremiam e os fios dos postes também.

O que a gente não sabia era o quão grave era. Mas aos poucos fomos nos dando conta e o medo começou a bater a nossa porta, bem devagar. Olhei para fora e vi as pessoas desesperadas saindo dos prédios e indo quase que para o meio da rua. Mas quando chegavam lá, a chuva de vidro que caía das janelas, as obrigavam a voltar correndo e se protegerem nas marquises dos prédios.

Pronto. Parou. Terremotos são assim. Dão, mexem tudo e param. Avançamos com o carro até o próximo sinal. Pronto. Tudo de novo. O carro começou a tremer de novo e era um novo tremor. Dessa vez, mais rápido.  Quando parou, seguimos nosso caminho rumo ao teatro. Mas agora, já desconfiados  de que o terremotos que havíamos sentido não era normal.

Chegamos ao local do teatro e o desespero era total. As pessoas ainda estavam no saguão e nenhum estande estava armado. Perguntamos o porquê daquilo tudo e daquele clima. O segurança nos informou que o abalo foi muito forte e que o teto do teatro havia desabado e estavam ocorrendo muitos tremores seguidos e eles temiam pela vida de tantas pessoas.
Ficou aquele clima de vai ter ou não vai ter. O artista chegou, mas não pôde entrar nem mesmo no camarim e ficou no meio do povão. Quando percebi, estavam todos com os olhos fixos na TV. Pronto, foi aí que todos se deram conta – inclusive nós – do desastre. Os canais de TV mostravam todos o tempo todo em todos os lugares onde as destruições foram maiores. 




Felizmente, onde estávamos, nada de destruição grave ou risco de ondas gigantes. Mas sentir aquilo tudo de perto foi terrível. O clima que tomou conta do Japão foi terrível. Eis que um novo terremoto se inicia, todos são evacuados para fora do teatro no estacionamento, onde o local é aberto. As pessoas correm olhando para cima e depois que estão no estacionamento, não tiram os olhos do chão, com medo de que o solo se abra.

Terremotos no Japão são frequentes. Sempre tem. Mas em geral são rápidos e não cai muita coisa. O problema é quando demora e quando a gente vê destruição ou mesmo ver as coisas da sua casa caindo no chão. Aí sim, bate um, digamos, uma ponta de frio na espinha...

As pessoas tentavam localizar seus parentes pelo celular, mas nessas horas, nenhuma operadora funciona. Nos orelhões, a fila se torna, de repente, quilométrica. Todos querendo localizar seus familiares e ao mesmo tempo informar que estão bem.  
O show foi cancelado. A feira, na qual eu trabalharia, também. Algumas pessoas se revoltaram com o dinheiro pago pelo ingresso. Outras estavam morrendo de medo. A confusão foi geral.  O artista, coitado, que era comediante, ficou sério o tempo todo e não desgrudava da TV que estava no saguão. Ele não saiu de lá. Só saía quando gritavam: “Pra fora! Pra fora! Terremoto!!!”.

Com a certeza de que não havia trabalho a ser feito, resolvemos ir embora e voltar para Tóquio.  Mas o caos no Japão, ou melhor, naquela região onde estávamos, já estava formado. Um percurso que demoraríamos no máximo 2 horas de carro, fizemos em 9, isso mesmo, nove horas! As vias expressas e viadutos haviam sido fechados para evitar acidentes. Por isso, todos os carros tiverem que seguir por baixo. Era carro e carro que não acabava mais. Andávamos de centímetro em centímetro. E quando achávamos que éramos espertos e tentávamos cortar caminho, nos deparávamos com outros espertos no mesmo lugar.

Tentamos parar para comer com 6 horas de viagem. Mas em vão. As filas eram enormes e quando encontramos um restaurante que parecia, digamos, “entrável”, foi botar o pé dentro que a atendente nos recepcionou com um belo “Não tem comida!”. Resolvemos seguir mais um pouco de carro e, de repente, PUM! Blecaute total. Passávamos por ruas e ruas escuras. Nenhum lugar aberto para entrar. Nem uma loja de conveniência. Aliás, esqueci de comentar que chegamos a parar em uma, mas as prateleiras estavam lisas!

Cheguei em casa às 4 da manhã. Naquele dia, eu hibernei! Mas foi ligar a TV que já me dei conta de como estava o Japão do lado de fora da minha casa. Aliás, minha casa estava mexida. Móveis fora do lugar, livros no chão. Parecia cena de roubo. Mas não era.

Passei pelos menos dois meses dormindo de roupa de sair. Os terremotos continuaram e eram bem frequentes. Quando dava de madrugada e demorava, dava medo, e então, dava vontade de sair correndo para fora.

Eu morava no primeiro andar. Coloquei na porta da varanda um jornal, onde em cima estava meu sapato – já que não entrava de sapatos em casa – e ao lado, uma mochila de sobrevivência com comida, chocolates, passaporte, dinheiro e documentos. E, como falei, dormia de roupa comum.

Em Tóquio, nada de tsunami. Nada de piso aberto. Tudo o que as pessoas acompanhavam na TV, nós no Japão também, acompanhávamos!  Foi assim durante muito tempo. Depois começaram as lutas pelo não-sensacionalismo das TV estrangeiras que deixavam nossos amigos e parentes fora do Japão desesperados. E o medo das usinas explodirem e nós todos morrermos? Era um tal de volta para o país ou não volta! Parecia que o mundo iria acabar e deveríamos escolher onde e com quem gostaríamos de morrer. Só se falava nisso. Explosão. Contaminação. Morte. Resfriamento da câmara disso, câmara daquilo. Mas isso já é outro assunto e que rende muito pano pra manga. Mas que atormentou, atormentou!


 Deixo aqui minhas condolências pelos mortos, meus sentimentos às pessoas que perderam seus entes queridos e minha torcida para os que sobreviveram à tragédia e ainda vivem em condições precárias em alojamentos provisórios!

Sim, mostraram na internet uma estrada que ficou pronta logo, bonitinha, rapidinho, elogiando os japoneses e desprezando as obras no Brasil, mas a verdade é que ainda existe muita gente em alojamentos e muita coisa a ser feita por lá. Mas isso acho que a imprensa estrangeira não vai mostrar...

Oremos por todos...por nós todos!

Comentários

  1. Triste demais.
    Quer dizer, não posso nem mensurar o que esse povo passou.

    A recuperação deve levar aí muitos anos, apesar das falhas.Mostrou sim, não sei se vi na TV brasileira ou num canal americano, não lembro, sobre pessoas que ainda vivem em abrigos.
    E não, não mostraram que consertaram "uma estradinha só" pra gringo ver.Consertaram muita coisa, num cenário arrasado e 30mil cadáveres.Não foi um barranco que cedeu. Sem lembrar de lugares que nem podem ser visitados, pela alta radiação.
    Na grande maioria fazem um bom trabalho, sim, temos que aplaudir esses e não ficar comparando com outro país, que vive realidade completamente distinta, não é?
    Jamais esquecer,é o mínimo, mesmo que a maioria do povo daí já não dê a menor bola mesmo...

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  2. Olá Rafael,

    É realmente triste demais. Sobre a estrada, eu sei que muita coisa foi reformada sim e concordo com você que não é legal fazer comparações entre países com realidades completamente diferentes. Concordo plenamente. Mas tbm sei que ainda há muita coisa para ser feita e infelizmente, isso ainda é pouco divulgado e mesmo quem vive no JP, acha que está tudo resolvido, arrumadinho, bonitinho. Imagina quem mora no Brasil. Rezemos e torcemos por aquele povo. Valeu pelo comentário! Volte sempre!

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  3. Minha experiência foi parecida, fiz um relato no meu (ressucitado antes do fim definitivo) blog:

    http://japao.drebes.org/2013/03/epilogo-parte-i.html

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  4. Bom post Julio, deixei um comentário lá no Face também. Repito o que disse por lá...já que você está aí, exporte o que nós brasileiros temos em abundância: esperança. E os amigos do blog sempre torcem por você.

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  5. assim vemos que as coisas no Japão em situações catastróficas não são perfeitas como pregam ser,aqui no Brasil. Para mim, parece que todo mundo sai calmo e tranquilo do prédio, sabe por onde sair, tudo volta ao lugar minutos depois.

    Muito triste, mas me deixa p da vida nossa imprensa sempre pregando que nosso país é uma zona (e é,mas só que não há lugar perfeito).

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  6. [E verdade, Caruso. "Parece que foi ontem". Para mim, morando aqui em Aichi, foi ainda mais difícil acreditar no que via pela TV, era tudo muito surreal.

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  7. Rafael é o típico brasileiro que não mede esforços na hora de marretar o Brasil. Tudo é sempre ruim. Mas dos estrangeiros mesmo o que esta ruim é bom.O brasileiro em geral defende o que é do estrangeiro com unhas e dentes . Fica até muito ofendido se alguem fala mal do exterior.Comparações? Só se forem desfavoráveis ao Brasil. O Brasil tem muitos defeitos , mas como disse a colega acima não existe paraiso na terra.

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