QUEM MEXEU NO MEU LIXO?

É, pelo visto, muitos brasileiros conheceram outra caracterísca do povo japonês: a consideração para com o outro. Bom para quem não captou ainda, estou me referindo à cena que bombou na mídia brasileira e nas redes sociais que serviram para ovacionar os japoneses que recolheram o próprio lixo na partida do Japão contra a Costa do Marfim na Arena Pernambuco.

Para muitos brasileiros, a cena parecia algo utópico, algo inimaginável de se testemunhar no Brasil. A verdade é que no Japão tal ação não tem nada de extraordinário. Tanto que os japoneses com quem eu conversei em Recife - onde eu estava a trabalho acompanhando repórteres japoneses - se indagaram sobre o porquê de tanto alarde. Era como se, nós brasileiros, víssemos em algum jornal japonês uma matéria do tipo "Brasileiros beijam no rosto como forma de se cumprimentar".

Expliquei, que infelizmente, a cena não fazia parte da realidade do maioria dos brasileiros e, foi então, que eles entenderam porque um ato tão comum para eles deu tanto o que falar. 

A maioria dos brasileiros apontou a "educação do povo japonês" como principal motivação que levou os torcedores a recolher o próprio lixo. Eu, na minha humilde insignificância, diria que não se trata somente de uma questão de educação. Se trata também, claro. Mas não é apenas isso. Por trás disso tudo, tem um sentimento comum à maioria dos japoneses que eu admiro muito que é a consideração para com os outros.

Recolher o lixo não é só uma questão de higiene. Tampouco se trata apenas de cuidar do que é seu ou limpar o que você mesmo sujou. Também! Mas acho que. para os japoneses, recolher o lixo é acima de tudo um ato de pensar nas outras pessoas que farão uso daquele mesmo local. É cuidar de um bem comum. Como o famoso dito "não faça com os outros o que não gostaria que fizessem com você" nos ensina, ninguém gostaria de chegar no cinema, por exemplo, e pisar em pipocas caídas no chão e não ter condições de deixar o copo cheio de refrigerante porque já há um copo vazio onde deveria estar sem nada para você colocar o seu.

Aí vem um brasileiro e diz: "Mas tem a moça da limpeza" - que deve ser o mesmo que diz que joga lixo no chão na rua para dar emprego ao lixeiro. E se pensássemos nestas pessoas também? Pensar como seria ter de limpar uma sala inteira com tapete forrado com pipocas e copos vazios por todo lado e, de repente, quando acaba a sessão e acendem-se as luzes, tchan tchan, tudo limpinho! É só passar uma feiticeirinha rápida no chão. Não seria legal?

Sobre a moça da limpeza e os lixeiros, não creio realmente que perderão seus empregos se o povo tiver mais educação E consideração com eles e com os outros. "Os japoneses" não pensam como "nós brasileiros" (generalizando japoneses e brasileiros). Não é que não existam estes profissionais. Eles existem. Mas como limpar o bem comum é ensinado desde os primeiros anos escolares no Japão, quando nas escolas os próprios alunos fazem a limpeza das salas, corredores e inclusive dos banheiros, para os japoneses isso já faz parte, está no DNA deles.

Lembro de vários pique-niques no Japão em que por todo lado havia grupos de pessoas bebendo e comendo como nós e quando acabava a festa, assim como o nosso grupo, todos saíam dali com um saquinho de supermercado na mão com parte do lixo do grupo e o local era deixado sem vestígio algum de farra ou comida. No Japão é assim, em pique-niques, em churrascadas, em " hanami" (pique-nique debaixo das cerejeiras) etc.

Quer um exemplo mais recente? Copa das Confederações. Ano passado tive o privilégio de trabalhar como intérprete da seleção japonesa e acampanhá-los nos voos, nos hoteis, nos estádios e até no vestiário. Eu era o único não-japonês autorizado a entrar no vestiário dos "samurais blue". Eis que quando todos já haviam deixado o vestiário e se dirigido para o ônibus, eu, como o último a sair, autorizei os voluntários a entrarem e fui embora. Ainda no corredor, um voluntário me chama da porta do vestiário e espantado me pergunta: "Vem cá. Eles usaram mesmo o vestiário?". Quando respondi que sim, já sabendo o que eles estaria pensando, ele comprovou: "Cara! Os caras são muito organizados! Tá tudo limpo!!!". 

Na partida seguinte, o estádio era outro, os voluntários também. Mas o espanto, aliado à indignação com as outras equipes, foi o mesmo. "Foi daqui que você e a seleção japonesa saíram?", me perguntou rindo um voluntário. E completou: "Cara! Você tem que ver como os outros deixam o vestiário! Uma zona!".

Na outra partida, bom, vou resumir a história só com o comentário do voluntário do dia: "pô, os outros times deveriam aprender com os japoneses como deixar um vestiário arrumado e limpo! Quero ser responsável do vestiário japonês sempre!".

É isso. É o que eu sempre digo. Não dá para dizer qual é melhor que outro. Mas se for para comprara, que seja definido um quesito. Amizade. Segurança. Calor Humano. E se o quesito for Respeito ao Próximo, me desculpe meu povo, mas o Japão - neste quesito - sai líder do grupo. 

Comentários

  1. Parabéns pelo texto. Foi bem mais profundo que as notícias que saíram por aí.
    Infelizmente, parece que, para grande parte dos brasileiros, pegar lixo do chão é tido como um rebaixamento moral, um aviltamento. Talvez isso seja herança do modo de pensar escravista.

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